Anita Malfatti

Pintores Brasileiros 

Parte 2:  Anita Malfatti



Não fazia nem um mês desde que o Brasil deixara de ter imperador para se transformar numa República, quando nasceu Anita Catarina Malfatti. São Paulo, sua cidade natal, contava com menos de 50 mil habitantes - e acabara de ganhar seu primeiro transporte coletivo, o bonde puxado a burro.

Filha do engenheiro italiano Samuel Malfatti e da norte-americana Betty Krug, Anita Malfatti, a segunda filha do casal, nasceu com atrofia no braço e na mão direita. Aos três anos de idade foi levada pelos pais à Itália para tratamento médico, mas a deficiência persistiu. Voltando ao Brasil, a governanta inglesa Miss Browne a ajudou no desenvolvimento do uso da mão esquerda e no aprendizado da arte e da escrita.

Com a morte do pai e sem recursos para o sustento dos filhos, a mãe passou a dar aulas particulares de idiomas, desenho e pintura. Anita acompanhava e aprendia os rudimentos das artes plásticas. Tinha duas amigas, as irmãs Shalders, que em 1910 decidiram viajar à Berlim para estudar música. Assim surgiu a ideia de acompanhá-las à Alemanha e seu tio e padrinho, o engenheiro Jorge Krug, aceitou bancar as despesas.

Berlim era, então, o grande centro musical da Europa e foi onde ela travou contato com a vanguarda europeia. Acompanhando as amigas às aulas no centro musical, acabou recebendo a sugestão para estudar no ateliê do artista Fritz Burger, que era um retratista que dominava a técnica impressionista. Foi o primeiro mestre de Anita.

Durante as férias de verão foram às montanhas de Harz, em Treseburg, região frequentada por pintores. Continuando a viagem, visitou a 4° Sonderbund, uma exposição que aconteceu em Colônia na Alemanha, na qual conheceu trabalhos de pintores modernos, incluindo-se Van Gogh.

Os primeiros estudos artísticos de Anita foram orientados pela mãe. Elisabete, de nacionalidade norte-americana, era pintora, desenhista e falava vários idiomas. Anita se formou professora aos 19 anos, no Mackenzie, em São Paulo/ SP. Nessa época, morreu seu pai, responsável pelo sustento da família. A partir de então, a mãe passou a dar aulas de idiomas e de pintura, e Anita começou a trabalhar como professora. No entanto, seu talento para a pintura sensibilizou o tio e o padrinho de tal forma que eles juntaram dinheiro para mandar a moça estudar na Academia de Belas-Artes de Berlim, na Alemanha. Lá, Anita foi a uma grande exposição de pintura moderna. "Eram quadros grandes. Havia emprego de quilos de tintas, e de todas as cores. Um jogo formidável. Uma confusão, um arrebatamento, cada acidente de forma pintado com todas as cores. O artista não havia tomado tempo para misturar as cores, o que para mim foi uma revelação e minha primeira descoberta. Pensei: o artista está certo", ela contaria muitos anos mais tarde, ao recordar sua estada na capital alemã.



Ela acabava de ter contato com a arte dos rebeldes, desligados do academicismo ensinado nas escolas. Na ocasião, Anita se deu conta de que nada no mundo era incolor ou sem luz. Fascinada, aproximou-se do grupo e passou a ter aulas, primeiro com Luís Corinth, o pintor daquelas telas, e depois com Bischoff-Culm, aprendendo pintura livre e a técnica da gravura em metal.

Em 1913 com a instabilidade provocada pela aproximação da guerra deixa Berlim, passando por Paris. Entre os meses de entre maio e junho, montou uma exposição com obras de sua autoria. Novamente sem recursos foi aí que, mais uma vez, financiada pelo tio Jorge Krug, e segue viagem para os Estados Unidos.
A pintora voltou ao Brasil e realizou sua primeira exposição individual, em 1914. Em seguida, foi para os Estados Unidos onde estudou com Homer Boss, com a liberdade de pintar o que desejasse, livre de imposições.

Foi esse período que marcou a fase mais brilhante de sua criação. Anita produziu telas como "O homem amarelo", "Mulher de cabelos verdes", "O Japonês", ainda hoje tidas entre suas melhores obras.

No início de 1915, Anita Malfatti já se encontrava em Nova York matriculada na tradicional Art Student's League. Após três meses de estudos, desistiu de qualquer curso de pintura ou desenho nessa instituição por demais conservadora. Continuou a ter aulas com um professor, da Independet School of Art, Homer Boss, artista hoje quase esquecido pelos estudiosos da arte norte-americana. Este foi um dos períodos de sua maior produção artística, sobretudo quando esteve isolada numa ilha de pescadores, na Costa do Maine, chamada Monhegan Island. O nome da ilha serviu de subtítulo a um dos quadros da época: "Rochedos".
Em 1916 resolveu promover sua segunda exposição individual. Na ocasião Monteiro Lobato publicou uma dura crítica ao trabalho da artista. A matéria publicada em 20 de dezembro de 1917, no jornal O Estado de São Paulo, com o título de “A propósito da exposição Malfatti”, fez com que as telas vendidas fossem devolvidas, algumas quase que destruídas a bengaladas.
Em 1917, São Paulo já contava com quase 500 mil habitantes - mas ainda era uma cidade acanhada em termos de vida cultural. Nesse ano Anita fez outra exposição, muito importante porque foi considerada a semente do modernismo. "Foi ela, foram os seus quadros, que nos deram uma primeira consciência de revolta e de coletividade em luta pela modernização das artes brasileiras" disse o escritor Mário de Andrade, outro expoente do modernismo brasileiro.

No entanto, o editor e autor Monteiro Lobato, em artigo publicado no jornal "O Estado de S.Paulo", criticou a mostra, esperando atingir seu alvo principal, os modernistas, como Di Cavalcanti, companheiros da pintora. Ela recebeu mal a crítica. Entrou em depressão e parou de pintar. Um ano depois, decidida a ser mais convencional, foi tomar aulas de natureza-morta com Pedro Alexandrino Borges, e se tornou amiga da pintora Tarsila do Amaral.




A primeira voz que se levantou em defesa da pintora, ainda que timidamente, foi a de Oswald de Andrade. Num artigo de jornal, ele elogiou o talento de Anita e parabenizou pelo simples fato dela não ter feito cópias. Pouco depois, jovens artistas e escritores como Mário e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, uniram-se a ela.

Os trabalhos de Anita foram exibidos na Semana de Arte Moderna de 1922 e em outras exposições, onde foi premiada e consagrada. Nos anos 30, grandes dificuldades econômicas a obrigam a dedicar-se cada vez mais ao ensino da pintura e do desenho e à pintura decorativa. Aproxima-se da Família Artística Paulista, participando de todas as coletivas do grupo. Os amigos cobrariam o fato de não ter seguido Tarsila no movimento Pau Brasil. Nos anos 40, visita Belo Horizonte e cidades históricas mineiras. O que ela mais passa a expor então, são as festas, e as procissões. Nos anos 50, até sua morte, vive muito distante das polêmicas artísticas, recolhida em seu sítio.
Em 1933, conquistou a grande medalha de prata do Salão de Belas-Artes em São Paulo - nesse ano, a cidade completava a marca de um milhão de habitantes. Expôs na 1ª. Bienal paulista, em 1951. Quando a população paulistana passava dos quatro milhões, em 1963, Anita mereceu sala especial nessa mesma exposição.
A pintora teve um amigo, confidente, sua paixão platônica de toda uma vida: Mario de Andrade. Ao que tudo indica, Mario sabia do amor de Anita, mas os dois nunca falaram sobre isso. Ele morreu, solteiro, em 1945. No décimo aniversário da morte do escritor, ela escreveu-lhe uma carta:
"Tenho medo de ter desapontado a você. Quando se espera tanto de um amigo, este fica assustado, pois sabe que nós mesmos, nada podemos fazer e ficamos querendo, querendo ser grandes artistas e tristes de ficarmos aquém da expectativa."
Fonte: uol educação; Acervo o Estadão.com

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